segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Palavra Chave



Certa vez, ainda quando cabia de baixo da saia de minha mãe, e minha vida se limitava ao mundo paralelo da bairro onde cresci, e que, ainda hoje, curiosamente,continua me sendo um mundo paralelo, andava pelas ruas observando as casas e imaginando como seriam os moradores que por ventura nelas morassem.

Às vezes, quando me punha a tal entretenimento e do portão saía algum morador, quase sempre me decepcionava. Sentia na alma a marreta da realidade batendo de frente ao meu muro de idealizações. Então a graça da brincadeira se perdia na minha frustração e eu voltava para casa com os olhos secos.

Ao chegar em casa, eu, ansioso para compartilhar minha dor com o primeiro que me viesse, também quase sempre me decepcionava. Pois, dependendo de quem fosse, certamente ouviria, "Mas que menino estranho!", ou ainda, "É mesmo?", portanto me restaria somente o silencio e a interiorização do fato caso não encontrasse nos hábeis ouvidos de minha avó o tão esperado consolo em que buscava me encontrar novamente. Ela, por sua vez, meiga e habituada a uma boa literatura, uma senhora de formação romântica, apenas me olhava com seus olhos de paz, que, após certo tempo, tornavam-se olhos de curiosidade.

E eu gostava de ser observado daquela maneira.

Era como se minhas palavras despertasem algo relativamente inteligente nos olhos de um outro, e isso, por si só, me satisfazia.

Depois, com o tempo e a experiência, aprendi a observar melhor as casas e a compreender de forma mais concreta os seus moradores. Aprendi que certas palavras fazem com que os seus respectivos apareçam ao portão. Aprendi que cada qual, na sua solidão, sente a fome de formas diferentes. Aprendi que assim como os olhos são as janelas da mente, os ouvidos lhe são as portas, e as palavras, as chaves para que nela um outro entre.


Texto e Foto: Luian Damasceno

3 comentários:

  1. Muito bom aprender com as frustrações infantis.

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  2. Tá cada vez mais desonesto, Luian!

    DO CARALHO!
    Ponto.

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  3. posso dizer que és um chaveiro, e dos bons! tuas palavras não me abrem portas e sim portais: vou te lendo e adentrando no que escreves. estou certo de que quase estive ao teu lado observando as casas, ora cheias, ora abandonadas.

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